Dayan parecia receptiva a conversar e isso era positivo.
"È bonito... obrigado. Mas não era preciso."
Ashling sorriu. "Era preciso, era. Não te ofereci a écharpe para me desculpar... Fui às compras e quis agradecer de alguma forma aquilo que este grupo tem feito por mim, sem pedir nada em troca... Comprei algo para cada um de vós. Por isso, é um símbolo de gratidão... não de desculpas.".
Depois, a Ashling deixou a cigana falar. No seu discurso havia crueza e ternura.
A ruiva sorriu um sorriso quase triste, afastou da testa de Dayan uma mexa do seu cabelo escuro e deixou a sua mão deslizar suavemente pelo rosto dela. "Sei que me queres ajudar e agradeço o teu apoio".
Devagar, como se cada passo a ajudasse a reflectir, dirigiu-se para a cama e sentou-se. "Tens razão em muitas coisas. Eu sei pouco deste mundo e nunca soube, nem sei, o que é viver em perigo. Algo me diz que tu sabes o que isso é há muito tempo...". O som tom tornou-se progressivamente mais vivo, como alguém que se levanta depois de cair, como se esse levatar fosse uma inevitabilidade. "E, nesse sentido, e porque não tenho qualquer vontade de morrer, talvez devesse aprender a defender-me melhor!" Disse num tom quase divertido. "Talvez me possas ajudar com isso! Mas com menos sangue... inutilizar deve bastar, não? Matar é tão... excessivo."
Depois acrescentou em tom de desafio: "Quanto à impossibilidade de manter, até certo ponto, a minha vida normal, de poder continuar a minha carreira, isso ainda estou para ver! Ainda agora acordei! Ainda não tentei conciliar estes dois mundos... ainda não sei se alguém vem atrás de mim, ou quem... Não costumo desistir antes de dar tudo de mim! E não tem nada a ver com ser famosa! Não foi pela fama que eu treinei 6 horas por dia durante anos, que eu deixei de fazer um monte de coisas que as minhas amigas podiam fazer, que deformei os meus pés ou dancei com os dedos em sangue, que eu acordo todos os dias com dores - sim, porque como diria a Madame Vivianne, se não acordas com dores, estás a fazer algo de errado. Não foi para ser famosa. Foi para me superar, para saber que podia fazer, que podia ser sempre cada vez melhor, transcender-me, dar às pessoas durante o tempo de um bailado a possibilidade de serem transportadas para um mundo de harmonia, de beleza, de êxtase, para poder dar isso a alguém. E é preciso continuar! Os desafios continuam! Até quando consegue o meu corpo aguentar o ritmo de bailarina principal? O que posso eu descobrir, criar, que saia dos moldes do que me ensinaram? Como fazer a arte evoluir?" - o seu tom foi-se elevando em paixão até que finalizou: "Como poderei eu fazer evoluir a arte se não praticar todos os dias? Se não for desafiada todos os dias por quem sabe tanto ou mais do que eu? Não posso. Para poder, tenho que continuar na minha "vida normal"."
"De resto, já percebi que a dança pode ser um veículo interessante nesta cena da magia, e isso é algo que quero muito explorar também. Mas o preço não pode ser a perda de tudo o resto. Não pode!"